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Segurança Alimentar 360º – Migrantes reescrevem histórias, impulsionam a economia e alimentam esperanças no Paraná

“No Paraná, migrantes transformam sua força de trabalho em riqueza coletiva, e a indústria responde abrindo portas: juntos, reescrevem histórias, impulsionam a economia e alimentam esperanças.”

O vapor das panelas se espalhava pelo salão como se carregasse histórias de continentes distantes. O perfume intenso do Thiébou Yapp, arroz senegalês com carne de boi e legumes, misturava-se ao légume haitiano, ensopado de verduras e temperos afro-caribenhos. Entre português, francês, crioulo haitiano e wolof, risos e conversas se entrelaçavam, e Toledo se transformava em uma esquina do mundo, onde culturas se encontram e histórias se reescrevem. Poderia ser Dakar, Porto Príncipe ou qualquer outra esquina do planeta, mas ali, no Paraná, vidas eram recomeçadas, sonhos alimentados e dignidade restaurada.

Na Cozinha Industrial Solidária da Embaixada Solidária, foi lançado oficialmente o Programa Segurança Alimentar 360º – Desafio Perda Zero (IBRF). O jantar festivo apresentou 60 novos profissionais da gastronomia, migrantes e refugiados, e reuniu parceiros de governo, universidades, sociedade civil, Justiça e setor produtivo.

Cada mesa, cada aroma, cada conversa carregava a missão de transformar alimento em cultura, aprendizagem e futuro. Logo outros 140 profissionais estarão formados. Não apenas o diploma, mas um novo mundo que se abre.

No Oeste do Paraná, migrantes e refugiados transformam alimentos e trabalho em dignidade, mostrando que os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU — fome zero, trabalho decente e redução das desigualdades — já ganham corpo no Brasil.

A Embaixada Solidária, projeto humanitário reconhecido, há 11 anos atua na Região Oeste do Paraná, com foco em migração, refúgio e empregabilidade, sendo referência nacional em inclusão e acolhimento.

Enquanto eles não chegam

Entre panelas fumegantes, Amsato Seye, mãe senegalesa de seis filhos, movia-se com atenção: cada gesto carregava histórias de superação e esperança. Ao preparar os legumes e temperos, lembrava da infância em Dakar, das dificuldades enfrentadas e do sonho de reconstruir sua família em segurança no Brasil. Ela não apenas cozinhava; integrava passado, presente e futuro em cada prato, transformando alimentos em dignidade.

Amsato é uma das formadas pelo programa. Trabalha na indústria e a renda extra vai ajudá-la em uma missão muito especial: juntar recursos para trazer o restante da família. Enquanto eles não chegam, é parte do salário dela que sustenta a esperança no Senegal.

“Recebo e preparo os alimentos que ajudo a produzir na indústria. O brasileiro respeita minha cultura, minha religião e meus filhos. Cada prato que preparo é esperança para meus filhos e para aqueles que ainda aguardam atravessar o oceano. Sinto saudade da minha família, mas estou feliz no Brasil. Esta noite me deixa mais perto do meu país e dos meus sonhos. Cada colher que sirvo aqui é como um abraço que ainda não posso dar em quem ficou.”

Uma esperança chamada Brasil

Iscardely Nicolas, jovem haitiana, cresceu muitas vezes com apenas manga verde e sal, sonhando com o dia em que teria comida saborosa na mesa. De tudo que desejou na infância, o maior sonho era um passaporte e uma passagem para o Brasil.

Vestida com a roupa típica do Haiti, Iscardely deixa os olhos marejados ao lembrar da beleza e da dureza de sua terra natal. Apesar do amor ao seu país, foi no Brasil que encontrou recomeço. Agora, entre panelas, ingredientes e colegas migrantes, constrói um futuro para sua filha, Emily, garantindo-lhe uma história diferente, marcada pela segurança alimentar e pelas oportunidades.

“Sempre sonhei em chegar ao Brasil e ter comida na mesa. Hoje, preparar pratos do meu país e ver minha filha Emily com refeição completa me emociona. Sei que a história dela será diferente da minha, e isso me dá esperança. Aqui, encontrei trabalho, respeito e a chance de dar a ela aquilo que nunca tive: a certeza de um amanhã sem fome.”
No próximo mês, Iscardely vai mudar de endereço. Deixará a casa simples onde mora com a filha para dormir, pela primeira vez, em um lar que pode chamar de seu. Em algum momento, é preciso deixar de ser migrante e firmar raízes sem novos medos.

Segurança Alimentar na prática

No centro da cozinha, Emily, de três anos, corria entre mesas, provava temperos e acompanhava a dança típica haitiana apresentada pela mãe. Seus cachinhos dourados pelo sol quente do Paraná, em contraste com a pele negra exuberante, lembravam que, mesmo nascida no Brasil, ela carrega em si os traços do Haiti. Vestida com roupas tradicionais, era a própria imagem da mistura perfeita de culturas.

Com energia e curiosidade, Emily parecia compreender, à sua maneira infantil, a essência da segurança alimentar: ter alimento hoje e a certeza de que haverá amanhã. Nos olhos dela, a palavra deixa de ser um termo técnico e ganha corpo humano, transformando-se em consolo para quem, até pouco tempo, convivia com a incerteza do pão sobre a mesa.
Falante e espontânea, não escondia a felicidade diante da mesa farta e repleta de amigos. Quando viu o frango, contou com alegria a todos que era sua comida favorita. Seus olhos não verão a escassez que marcou a vida da mãe. Um ciclo se encerra — com festa, e no Brasil.

Na foto: Iscardely Nicolas

Na foto: Emily e Iscardely

Indústria e cooperativas: pontes de recomeço

Enquanto os aromas enchiam o salão, o Paraná mostrava sua outra face: a economia que sustenta vidas. O estado, segundo maior polo agroindustrial do Brasil, precisou da mão de obra migrante para manter a competitividade.

Entre 2018 e 2022, 8.379 migrantes ingressaram no mercado formal, com 38,8% absorvidos pela indústria e aproximadamente 30 mil em cooperativas, garantindo produção e estabilidade do setor. Algumas empresas já contam com mais de 30% de migrantes em seus quadros, evidenciando sua relevância.

Luiz Albuquerque – Coordenador do Programa Segurança Alimentar 360º

“O impacto do programa vai muito além da economia. Quando vejo migrantes e refugiados encontrando dignidade através do trabalho e da alimentação, tenho certeza de que estamos cumprindo um papel maior: garantir que cada pessoa seja respeitada. O Paraná mostra que desenvolvimento não é apenas produzir mais, mas incluir mais. É a construção de uma nova forma de convivência, em que diferentes culturas se encontram para alimentar não só corpos, mas também esperanças. Essa é a força coletiva que apresentamos ao Brasil e ao mundo.”

Rainer Zielasko – CEO da Fiasul

“A história da minha família está marcada por escolhas feitas em meio à dor da guerra. Quando a Alemanha ainda cicatrizava suas feridas e meu avô embarcou em um navio rumo ao Brasil, minha avó fez um gesto que se tornou o maior legado que carrego: trocou seu único colar de pérolas por pães, para que a família tivesse o que comer e força para seguir.

Hoje, à frente da Fiasul, uma das maiores fiações do país, que emprega 34% de migrantes em seus quadros, vejo esse gesto se renovar.

A história do colar de pérolas emociona porque conecta passado e presente: a dor de uma guerra que expulsou famílias e a força de uma indústria que hoje acolhe quem chega de novos conflitos e crises.

Cada fio que produzimos, cada oportunidade de trabalho que oferecemos e cada prato servido pelo Programa Segurança Alimentar 360º é, de certa forma, continuação daquela travessia. Não é apenas responsabilidade social — é memória, é justiça histórica, é humanidade. Porque o alimento que compartilhamos hoje carrega a mesma missão de ontem: sustentar a vida, manter a esperança e lembrar que a verdadeira riqueza é sempre aquilo que podemos repartir.”

O Paraná é cenário tão importante para a migração que inspirou o Programa Indústria Acolhedora (Fiep/Sesi Paraná), que orienta empresas a implementar políticas de acolhimento. Trabalho digno e formal previne situações de exploração e promove integração cultural e econômica. Empresas como Fiasul e BRF mostram que inclusão estruturada é estratégia de desenvolvimento humano e econômico, enquanto cooperativas garantem produção, geram empregos e fortalecem comunidades.

Segurança alimentar em prática

O Programa Segurança Alimentar 360º – Cozinha Mundo reaproveita excedentes alimentares, transformando-os em nutrição, aprendizado, inclusão social e renda.
Caique Eduardo – Instituto BRF

“Quando cozinhamos juntos, percebemos que a indústria é mais do que produção: é inclusão. Segurança alimentar é dignidade hoje e certeza amanhã. Cada alimento que deixaria de ser aproveitado e encontra uma nova mesa é uma vitória para todos nós.”

Edson Pimenta – Banco de Alimentos de Toledo

“Cada doação é mais do que comida. É futuro. O Paraná já produzia alimentos para o mundo; agora sustenta vidas em duas frentes: economia e solidariedade. O alimento não é apenas subsistência, é também esperança distribuída em cada cesta, em cada família alcançada.”

Nos últimos seis meses, o Banco de Alimentos distribuiu 115 toneladas de hortifrutis, transformando sobras industriais em alimento e esperança para famílias migrantes e vulneráveis — em parceria direta com a Embaixada Solidária.

Do desperdício ao aprendizado

Segundo a FAO (ONU), cerca de 1,3 bilhão de toneladas de alimentos são desperdiçadas globalmente por ano.

No Brasil, são aproximadamente 35 milhões de toneladas. O Paraná se destaca por reaproveitar excedentes, integrar migrantes na produção e transformar desperdício em inclusão social, profissionalização e renda.

O Paraná assumiu a liderança e já é referência em reaproveitamento alimentar. A Indústria é protagonista ao lado de seus parceiros.

Uma esperança para o mundo

Emily gira entre mesas, prova temperos e acompanha a mãe na dança. Seus olhos refletem entusiasmo, confiança e a intuição de que segurança alimentar é alimento hoje, certeza amanhã, afeto e dignidade.

No Paraná, a grande esquina onde o mundo se encontra e se reconhece, diversidade, inclusão e solidariedade caminham lado a lado.

O estado, que sempre alimentou o mundo com seus produtos, agora alimenta sonhos, oportunidades e histórias de vida — mostrando que desenvolvimento pleno é aquele que inclui todos.

Créditos do texto: Edna Nunes da Silva, Jornalista e ativista social sobre migração e refúgio.

Crédito das fotos: Edna Nunes, Gislene Costa, Erisson Artiste

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