Evento da III Semana do Migrante homenageia histórias de coragem, dignidade e pertencimento
Em um ato histórico de representatividade, a Câmara de Vereadores de Toledo abriu, nesta segunda-feira (23 de junho), sua Tribuna Livre para acolher a voz da população migrante e refugiada da cidade. A participação integra a programação da III Semana do Migrante, realizada pela Embaixada Solidária, com apoio da Secretaria de Cultura por meio da Lei Paulo Gustavo e do Edital de Chamamento Público nº 024/2024 da Política Nacional Aldir Blanc (PNAB).
Pela primeira vez, um migrante ocupou o espaço oficial da política toledana para representar milhares de pessoas que, vindas de 42 países e todos os estados brasileiros, hoje vivem, trabalham, estudam e sonham em Toledo. O orador foi o advogado haitiano Pierre Erick Bruny, Diretor Jurídico da Embaixada Solidária, que compartilhou com os presentes um discurso comovente, construído sobre os pilares da gratidão, da justiça social e do compromisso coletivo com a inclusão.
Pierre não esteve sozinho neste momento. Uma comitiva de voluntários da Embaixada Solidária o acompanhou, fortalecendo a presença e a representatividade da instituição que há 11 anos atua em defesa e acolhimento dos migrantes na Região Oeste do Paraná.
A presença de Pierre foi também simbólica: ele representa uma nova geração de migrantes que, embora forçada a deixar seu país de origem por crise, fome ou perseguição, escolhe contribuir ativamente com o desenvolvimento da cidade que os acolheu. “Ser migrante é ser esperança em movimento”, afirmou. “Toledo não pode ser a cidade onde somos sempre vistos como forasteiros. Enquanto aqui estivermos, precisa ser também o nosso lar.”
O momento foi marcado por um profundo respeito institucional. Em nome da Embaixada Solidária, Pierre agradeceu ao presidente da Câmara, vereador Gabriel Baierle, e estendeu sua gratidão a cada vereador e vereadora pela escuta empática e pela oportunidade de participar deste espaço de decisões. “Esta casa legislativa, hoje, interage com o mundo. Uma lei feita aqui pode mudar vidas no Haiti, no Senegal, na Colômbia, no Paraguai”, destacou.
O discurso também trouxe um forte apelo por políticas públicas efetivas e sensíveis à realidade das populações migrantes, lembrando que a inclusão não é uma fotografia ou manchete, mas sim um processo diário, sustentado por investimento, vontade política e empatia. “Mais de 98% do trabalho humanitário é feito longe das câmeras. Inclusão não cabe em manchetes: ela vive no cuidado diário.”
Ao encerrar sua fala, Pierre convidou os parlamentares e a comunidade a participarem dos últimos dias da 3ª Semana do Migrante, que segue até 29 de junho, com oficinas culturais, feira de artesanato, roda de conversa, exibição de documentário, lançamento de e-book e o tradicional futebol Brasil x Haiti.
Leia na íntegra o discurso do Diretor Jurídico da Embaixada Solidária
Dr. Pierre Erick Bruny – Diretor Jurídico da Embaixada Solidária
Excelentíssimo Senhor Presidente Gabriel Baierle,
Em seu nome, saúdo com profundo respeito cada um dos vereadores e, com especial delicadeza e consideração, cada uma das vereadoras desta Casa Legislativa. Aproveito a oportunidade para agradecer àqueles que, em outros países e continentes, acompanham esta sessão transmitida pelas redes desta Casa e replicada para cada um dos países atendidos pela Embaixada Solidária. Aos servidores desta Casa, à comunidade presente e a todos que nos acompanham, boa tarde.
Meu nome é Pierre Erick Bruny, sou migrante haitiano, advogado e Diretor Jurídico da Embaixada Solidária, uma organização da sociedade civil que atua há 11 anos em Toledo e na Região Oeste do Paraná, com ações humanitárias e culturais voltadas à população migrante, refugiada e em situação de vulnerabilidade. Já acolhemos pessoas de 42 países e de todos os estados brasileiros.
Basta olhar a história e as pessoas nas ruas da nossa cidade para vermos que Toledo foi construída por migrantes — corajosos, destemidos, que vieram de muitos países para abrir caminho para o progresso. Meu agradecimento hoje é também para os migrantes que chegaram antes de nós. Somos gratos e pertencemos a outra geração de pessoas que vieram recomeçar e contribuir.
Hoje, ao fazer uso desta tribuna, não carrego apenas palavras. Carrego histórias, travessias e esperanças.
Ser migrante é ser esperança em movimento.
É carregar o mundo nas costas e ainda assim oferecer um sorriso.
Este é um momento histórico. Pela primeira vez, um migrante ocupa este espaço oficial da política e da tomada de decisões. E este gesto simbólico carrega muito peso: a Câmara de Vereadores de Toledo faz história e prova, com esta abertura, seu verdadeiro espírito democrático.
A democracia de verdade é aquela que inclui a todos.
Muitos de nós que aqui estamos não saímos de nossos países por opção, mas por necessidade.
Enfrentamos guerras, fome, desastres, perseguições, injustiças.
O que buscamos é vida, dignidade e a chance de reconstruir.
E é isso que encontramos em Toledo: um povo acolhedor, uma cidade com potencial de ser não apenas ponto de passagem, mas verdadeiramente um lar.
Toledo não é só um lugar. É o lar que queremos construir.
Não viemos tirar o que é de ninguém. Viemos somar o que o mundo ainda precisa: humanidade.
Hoje somos mais de cinco mil migrantes vivendo em Toledo, e cerca de trinta mil na Região Oeste do Paraná.
E não somos apenas força de trabalho.
Somos força de cultura, de fé, de comunidade, de reconstrução.
Somos mais que números: somos histórias de vida.
Agradeço a esta Casa Legislativa.
Quando os senhores e senhoras legislam com humanidade, constroem muito mais que normas: constroem pontes, oportunidades e recomeços.
Garantir acesso às políticas públicas — à educação, à saúde, à moradia, ao trabalho digno, à cultura e à proteção — é garantir vida e futuro.
Aqui construímos pontes, não muros.
Quando os vereadores e vereadoras de Toledo fazem leis justas e que incluem todas as pessoas migrantes, vocês ampliam sua atuação para além das fronteiras locais.
Uma lei feita nesta Casa pode transformar realidades no Senegal, no Haiti, na Colômbia, no Paraguai e em tantos outros países.
Crianças, jovens, adolescentes e adultos, cidadãos dessas nações que vivem aqui em Toledo, levarão para seus países essa educação, esse desenvolvimento, esse avanço social.
E será apenas uma questão de tempo até que Toledo sinta orgulho imenso por ter espalhado sementes de trabalho, oportunidades e esperança pelo mundo.
Essa revolução começa aqui, nesta Casa de Leis, que por meio de vocês, interage e impacta o mundo inteiro.
Também quero fazer um reconhecimento muito especial à imprensa local e regional, que foi e é fundamental para que o migrante tenha vez e voz na sociedade.
Muito obrigado pelo compromisso em dar visibilidade às nossas histórias, desafios e conquistas.
Mas eu também venho, com humildade e firmeza, fazer um pedido sincero e necessário:
Em todas as leis que construírem ou aprovarem, lembrem-se desta parte da população que precisa estar em todas as políticas públicas, em todos os cuidados e em todas as evoluções desta linda e acolhedora cidade.
Lembrem-se de que precisamos entender e ser entendidos.
Precisamos de segurança alimentar, de educação inclusiva e de qualidade, de acesso à saúde, de proteção.
Mas, acima de tudo, precisamos viver sem enfrentar diariamente a sensação de não pertencimento.
A história julgará com dureza os que viraram o rosto diante da dor que bateu à sua porta.
Toledo não pode ser a cidade onde somos sempre vistos como forasteiros.
Pelo tempo em que aqui estivermos, Toledo precisa ser também o nosso lar.
Fazer política de inclusão para migrantes e refugiados vai muito além das fotografias e das manchetes.
Mais de 98% do trabalho humanitário acontece longe das câmeras, com esforço diário, com escassez de recursos, com voluntariado, com doações, com criatividade e com coragem.
Inclusão não cabe em manchetes. Ela vive no cuidado diário.
Não existe inclusão verdadeira sem vontade pública. E não existe inclusão possível sem investimento.
Quem acolhe constrói um mundo melhor para todos.
Nos bastidores do progresso, sempre há uma mão migrante trabalhando em silêncio.
A Embaixada Solidária nasceu com esse compromisso: cuidar, acolher, garantir dignidade.
E por isso estamos aqui, há 11 anos, sendo ponte entre mundos, voz dos invisíveis, abrigo para quem já perdeu quase tudo.
E é com essa mesma missão que, desde o último sábado, dia 21 de junho, estamos realizando em Toledo a 3ª Semana do Migrante — uma celebração de culturas, saberes e resistência.
A Embaixada não dá o que sobra. Ela compartilha o que falta no mundo: humanidade.
Em nome da Embaixada Solidária, convido todas as senhoras e senhores vereadores, bem como toda a população de Toledo, a participarem conosco dos últimos dias dessa programação, que segue até o dia 29 de junho, com rodas de conversa, oficinas, feira de artesanato, futebol Brasil x Haiti, lançamento de e-book e outros momentos marcantes.
A presença de vocês fortalece a mensagem de que Toledo é de todos os que a constroem.
A força do migrante é a força que move uma cidade.
Um migrante sozinho atravessa oceanos. Mas juntos, migrantes e nativos, podemos atravessar a história.
Deixamos para trás o berço, a língua, os abraços — mas não deixamos para trás a esperança.
Muito obrigado por abrirem esta porta.
Sigamos juntos, com diálogo, com empatia e com compromisso com a vida.
Muito obrigado.